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Controle Financeiro

"O brasileiro é rico, mas ele não vê esse dinheiro na conta corrente", diz Furio

Em entrevista, CEO e fundador da Creditas conta como as fintechs estão ajudando a mudar o mercado financeiro no país e a importância de oferecer soluções aos clientes

por Portal Exponencial

Atualizado em 1 de junho, 2023

"O brasileiro é rico, mas ele não vê esse dinheiro na conta corrente", diz Furio

Ao longo dos últimos sete meses, Sergio Furio, fundador e CEO da fintech Creditas, viu a companhia colecionar boas notícias. Em janeiro, a principal plataforma online de empréstimo com garantia do país foi autorizada pelo Banco Central a operar como uma Sociedade de Crédito Direto (SCD) - ou seja, como instituição financeira. Enquanto crescia exponencialmente, Furio e a equipe da fintech trabalhavam em algo que daria ainda mais fôlego para empresa: ao longo da primeira quinzena de julho, a fintech anunciou uma rodada de investimento que captou 231 milhões de dólares - algo como 900 milhões de reais. O aporte foi liderado por SoftBank Visio Fund e SoftBank Group Corp. 

A notícia do novo aporte vem em linha com a missão da empresa no Brasil: mostrar para a população que o crédito pode - e deve - ter qualidade. “Conseguiremos ser mais eficientes e, assim, reduzir taxas. Ao final, será uma combinação de mais crescimento de clientes e menos juros ao consumidor”, conta Sergio Furio, em entrevista ao Portal Exponencial.

 

Mercado de crédito: um novo caminho a ser trilhado 

Em meio a um mercado financeiro ainda concentrado, a ascensão das fintechs soam como um recomeço aos consumidores. O caminho a ser trilhado, porém, é longo. 

Segundo o último relatório de Economia Bancária, divulgado em maio pelo Banco Central, os cinco maiores bancos do Brasil - Itaú-Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Santander -, correspondem a quase 85% do mercado de crédito no país. 

Além disso, mesmo com a Selic, taxa básica de juros, girando em seu menor patamar, em 6,5%, não houve redução drástica na concentração e juros bancários. Exemplo desse cenário são os altos índices de juros das modalidades de crédito mais acessadas pela população. Enquanto o cheque especial somou 320% de juros ao ano em maio, o cartão rotativo do cartão ficou em quase 300%. 

“As fintechs, assim como nós, estão falando permanentemente da redução da taxa de juros. Acabamos de reduzir a taxa de home equity na Creditas para 1,09% a.m + IPCA”, conta Furio. “Definitivamente, vai ter uma redução do spread bancário e acho que virá para ficar. Pode ser que tenhamos um novo ciclo no Brasil de juros baixos e que se refletirá no consumidor”, conclui. 

Após o anúncio do aporte, a Revista Digital Creditas conversou com Sergio Furio para entender o presente e o futuro do mercado de crédito no Brasil.

Durante a conversa, ele contou o futuro das agências bancárias, explicou a relação do consumidor com o empréstimo e como as fintechs podem ajudar a mudar o padrão de altas taxas de juros no Brasil. 

Confira, a seguir, trechos da entrevista: 

- Uma pesquisa do BCG revelou que, mensalmente, são abertas entre 500.000 a 1 milhão de contas em bancos digitais. Isso demonstra a mudança da mentalidade da população em relação ao digital. Há, inclusive, especialistas que acreditam que o banco como estrutura física não vai mais existir no futuro. Avaliando esse cenário, como você imagina o mercado financeiro daqui para frente?

É um movimento que não tem retorno. [Agência] É um problema de eficiência e de produtividade. O que acontece é que temos pouco volume de crédito.

Uma agência no Brasil tem uma carteira de crédito de pessoa física média de 60 milhões de reais. A mesma agência nos Estados Unidos teria 500 milhões de reais. Ou seja: quase 10 vezes mais crédito por agência nos EUA. Isso cria um problema de competitividade na própria agência.

O Itaú, por exemplo, anunciou uma redução de 400 agências. Se você analisa um mercado como o espanhol, nos últimos sete anos o número de agências caiu pela metade. E o volume de crédito só cresceu. Isso cria muito mais competitividade. Os bancos espanhóis quase triplicaram em produtividade por agência, por exemplo. 

Essa estratégia não tem retorno. Existem determinados custos que não são eficientes. A agência não é eficiente para realizar um pagamento. Não gera valor. As margens de pagamento beiram a zero.

Mas existem outros tipos de produtos bancários que são aderentes para as agências. Como, por exemplo, gestão de patrimônio, investimentos. Inclusive, um produto como o da Creditas, de crédito imobiliário, se você conseguir criar uma agência bem produtiva fazendo crédito imobiliário, por que não? A Creditas poderia ter agências físicas algum dia se isso fizesse sentido e gerasse valor. 

- Considerando os dados acima, o que deve ser alterado, então?

Acredito que o mais relevante é mudar as coisas que acontecem na agência. Há três anos, as agências estavam cheias de pessoas que queriam pagar o boleto e/ou sacar dinheiro. Agora, isso tem sido feito por meio dos canais digitais. Você não precisa mais ir para a agência para pagar boleto. 

Mas algumas coisas são complexas. Pensa o produto de home equity: por que não ter uma interação direta com as pessoas? Isso facilitaria muito mais o entendimento do produto. Se colocando uma agência na rua você consegue converter mais clientes, aí faz sentido. O problema das agências atuais é que elas não estão fazendo isso. Elas são muito mais operacionais e não necessariamente para dar uma assessoramento que o cliente precisa.

A tendência está clara: as agências estão sendo reduzidas. Com a digitalização do mundo o serviço financeiro vira quase uma commodity. Vira algo simples de fazer. Se você não está resolvendo problemas do cliente, você não terá espaço. 

Acho que o banco no geral tem que se reinventar. E reinventar, por exemplo, pode ser o cliente quer financiar o carro, ele não quer só financiar o carro, ele quer achar qual o melhor carro para ele.

Acreditamos muito nessa verticalização dentro da cadeia de valor e ajudar o cliente a encontrar o carro, por exemplo. 

- O entrave da inclusão digital não é necessariamente o acesso à internet: o que preocupa é a falta de conhecimento. Além disso, as pessoas têm medo de fraude. Você acha que isso pode culminar para que as agências também continuem existindo?

Acredito que  isso era um problema de dois, três anos. Todo mundo tem medo de colocar o CPF em qualquer lugar, não só no Brasil, mas no mundo. O brasileiro está usando a internet muito bem e se relaciona muito bem nas redes sociais.

E, provavelmente, o desafio de players como nós é como podemos interagir melhor com as pessoas nas redes sociais, que é onde ele quer estar.

Ele não quer abrir o aplicativo do banco ou o aplicativo da Creditas. Ele quer interagir com o pessoal no WhatsApp, no Facebook. Então, o desafio está em como podemos integrar os produtos financeiros dentro dessas plataformas.

E em locais ainda carentes de infraestrutura e instrução? Em comunidades no interior do Maranhão, por exemplo, existem famílias que vivem sem acesso a vaso sanitário, por exemplo. Como será a interação digital com o mercado financeiro? 

Esse é outro problema. É um problema de incremento de bancarização no Brasil. Ainda existem milhões e milhões de pessoas no país que vivem de costas aos serviços financeiros e que não têm nem conta. Muitas delas acreditam que ter conta corrente é um artigo de luxo, porque tem tarifas.

O ecossistema de fintech criará soluções para essas pessoas. Você fala que existem pessoas que não possuem vaso sanitário, mas elas têm celular. Esse celular é um jeito de democratizar o acesso de produtos e serviços e também incrementa os serviços financeiros. 

A partir disso você tem que falar com as pessoas do jeito que elas gostam de falar. E esse é o ponto: os bancos nunca conseguiram ter um jeito de atacar esse problema de uma maneira correta. 

- Desde a sua chegada no Brasil, criação do BankFacil e transição para a Creditas, o que mudou no mercado financeiro do país? Mais abertura para fintechs, mais divulgação de empréstimo com qualidade

Quando lançamos a Creditas em 2012, BankFacil na época, o tráfego em mobile (smartphones) era de 15%. Hoje, o tráfego é de 85%. Esse fenômeno demonstra o quanto o mundo se transformou nesses sete anos. Definitivamente, o cliente mudou e está numa tela menor, mas está mais muito perto de você.

As margens do spread bancário ainda não caíram. Mantiveram-se por volta de 27%, 28%, quase 30%. Porém, já estamos vendo os primeiros sintomas de realmente ter uma redução do spread bancário no Brasil. 

Acredito que a redução aconteceria de qualquer maneira, porém poderia demorar um pouco mais para acontecer. E o surgimento das fintechs, que, assim como nós, estão falando  permanentemente da redução da taxa de juros, ajudaram nisso. Acabamos de reduzir a taxa de home equity na Creditas para 1,09% a.m + IPCA. A população está vendo que tem um tipo de crédito muito mais barato. E é fácil se acostumar a coisas que são mais baratas. 

Definitivamente, vai ter uma redução do spread bancário e acho que virá para ficar. Pode ser que tenhamos um novo ciclo no Brasil de juros baixos e que se reflete no consumidor. Até agora não refletiu, mas o surgimento de novos players é algo que está forçando os bancos a se reinventarem. 

Mais que o volume que representamos no mercado, trazemos mais concorrência, fazendo com que os bancos tenham que trabalhar duro para oferecer crédito de melhor qualidade.

Nossa missão não é só crescer como empresa, mas fomentar o setor para que o mercado cresça como um todo e diminua a taxa de juros

- Em suas palestras e entrevistas, você enfatiza muito a realidade do Brasil: temos fácil acesso as piores taxas do mercado. Além de educação financeira, o que é preciso para mudar a relação do brasileiro com o crédito? 

É muito difícil. É uma mudança cultural. No Brasil, pelo fato das taxas de juros serem altas, o crédito tem uma imagem muito ruim. E uma imagem que não corresponde com a realidade, caso você conseguisse um crédito barato.

O problema é que, pelas taxas serem altas, o brasileiro não cogita o empréstimo, porque acha que é o diabo. As famílias têm exemplos de um crédito mal usado para consumo, [com] taxas de juros de 200%. E isso criou uma imagem muito ruim do crédito.

Nosso objetivo é reinventar o crédito e mostrar ao brasileiro que ele pode ser usado para coisas boas, como, por exemplo, reparar dívidas caras, investir em um negócio próprio, melhorar a educação dos filhos, que é um problema no Brasil.

Como usar a propriedade imobiliária não só para morar, mas para melhorar o futuro. Esse conceito de usar a propriedade por algo que vai além de morar nela ou que dirigir, é uma mudança cultural muito difícil e vai tempo. Temos nossos consultores e assessores que se dedicam a explicar isso diariamente. 

- Você acredita que as gerações mais novas estarão mais abertas para usar o crédito de uma maneira diferente que as gerações mais antigas, por exemplo?

O que acontece é o seguinte: temos que considerar as mudanças no comportamento do consumidor. Eles não querem mais ser proprietários das coisas. Temos que estar atentos a essas mudanças.

Não sei se os millennials, por exemplo, vão estar mais afim de tomar crédito. Sei que eles querem uma experiência boa. Querem uma solução para o problema. Não temos que focar no serviço financeiro, se não há a resolução do problema do cliente.

Se o cliente tem um problema de transporte para ir ao trabalho, temos que buscar um carro para ele que seja barato, assim como financiá-lo de um jeito barato.

Criar esse serviço de ponta a ponta é o que será o desafio. 

- Qual o potencial do mercado de crédito no Brasil para chegar no patamar dos Estados Unidos - em termos de empréstimo com garantia

O mercado de crédito imobiliário total no Brasil movimenta 600 bilhões de reais, e o valor dos imóveis no Brasil são 10 trilhões de reais. Isso quer dizer que o brasileiro está usando só 6% do valor dos imóveis para tirar um crédito imobiliário. Esse mesmo valor nos Estados Unidos é de 45%.

Então, os americanos usam 45% do valor do mercado imobiliário como liquidez. 

Se isso for assim, se a gente replicasse isso no mercado brasileiro, se passasse de 6% para 45%, cresceríamos oito vezes. Passaríamos para 1.5 trilhão de reais. Isso seria algo como triplicar a liquidez que temos na economia.

Às vezes, nos queixamos que não temos dinheiro para investimento, mas o dinheiro está todo no Tesouro. O brasileiro é rico, mas ele não vê esse dinheiro na conta corrente.

O que a gente se propõe a fazer é liberar parte desse dinheiro que está preso no mercado imobiliário, para entregar ao consumidor. Assim, ele poderá investir em educação, em empresas, em crescimento, e etc.

- Como você vê a expansão do mercado de empréstimo com garantia no Brasil nos próximos 10 anos? 

Ainda é um mercado muito pequeno. É um mercado de dois bilhões de reais ao ano, e nós temos entre 15%-20% desse mercado.

Qual o potencial desse mercado? Infinito, comparado a dois bilhões de reais. A gente adoraria que nos próximos 10 anos a emissão fosse em torno de 40 bilhões de reais ao ano. É o que acreditamos que tenha que ter no Brasil - e isso aceleraria o crédito de melhor qualidade.

Isso tem que acontecer o quanto antes. Em dez anos: 20 vezes maior.

- E o que impediria - e nos impede de chegar lá?

O crédito com garantia ainda não é muito conhecido pelo brasileiro. O que impede, por exemplo, é o fato de hoje não operarmos com financiamento de carro e de casa, que são empréstimos que o brasileiro conhece.

Por isso, vamos entrar nesses dois produtos e passaremos a operá-los também. Nosso objetivo é usar esses produtos mais populares para tornar o empréstimo com garantia mais conhecido. 

- A Creditas foi contemplada com um aporte de 231 milhões de dólares. Qual o impacto da expansão da empresa no mercado de crédito? E como o montante ajudará a empresa a disseminar o crédito de qualidade?

O objetivo da rodada de investimento que fizemos é acelerar nossas taxas de crescimento, portfólio de empréstimo e base de clientes. Expandiremos para novos segmentos e novos mercados que ainda não atuamos. Queremos entrar em mercados que ainda não atingimos.

E, com maior funding, conseguiremos ser mais eficientes para, assim, reduzirmos taxas. Ao final, será uma combinação de mais crescimento de clientes e menos juros ao consumidor.  

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